Mudança no regime de chuvas no Brasil veio para ficar; entenda

O padrão de chuvas no Brasil está mudando. Tempestades concentradas em algumas regiões num curto período de tempo, seca prolongada em outras áreas do país, menor volume de precipitações em diversos estados. Tudo isso é reflexo de uma alteração no regime de chuvas do país, com impacto direto sobre o abastecimento de água na safra. O movimento, segundo especialistas, é resultado das mudanças climáticas. E o desmatamento da Amazônia é causa de boa parte dos problemas.

Acompanhando de perto o movimento das chuvas no Brasil, o coordenador-geral de Operação e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), meteorologista Marcelo Seluchi afirma que praticamente todo o país tem uma tendência de redução do volume que cai sobre o solo.

A análise de uma série histórica dos últimos 60 anos deixa claro: juntamente com a diminuição do volume total de chuvas ao longo do ano, existe uma redução dos períodos chuvosos. Segundo Seluchi, eles estão ficando mais curtos e mais concentrados.

“Nos próximos anos, a gente vai continuar numa situação de ter anos melhores e piores, mas vão provavelmente prevalecer os anos piores. Essa tendência não vai se reverter, pode até se estabilizar, mas não há uma tendência de voltarmos a ter chuvas iguais a décadas atrás. Na média geral, o Brasil tem de estar cada vez mais preparado para os extremos de chuvas, porque é isso que nos espera daqui para frente”, alerta Seluchi.

Aumento da temperatura

Mas o que explica as fortes chuvas que caíram neste ano em estados como Rio de Janeiro e Bahia? Seluchi afirma que há causas para isso e uma delas é o aquecimento global. A atmosfera está mais quente e, com isso, a quantidade de água que ela consegue reter é maior.

“A quantidade de água suspensa na atmosfera hoje é maior do que tínhamos séculos atrás. Ou seja, o mesmo fenômeno meteorológico hoje consegue provocar mais chuvas que anos atrás”, diz o especialista.

Os últimos seis anos foram os mais quentes registrados desde 1880, sendo 2016, 2019 e 2020 os três primeiros, de acordo com comunicado da Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgado em janeiro. O ano de 2020 teve temperatura 1,2 °C acima das da era pré-industrial (1880).

O Brasil ainda sofre com outro fenômeno. O desmatamento da Amazônia impacta o regime de chuvas no Sul do Brasil e até em partes da Argentina e do Uruguai, com reflexo sobre a agricultura, a geração de energia e o turismo.

Isso ocorre por conta dos chamados rios voadores. São jatos de ar carregados de umidade que se originam sobre a floresta e atravessam o Brasil, a cerca de 3 mil metros de altitude, criando chuvas no Sul e Sudeste.

Eles se formam quando os ventos vindos do Atlântico atravessam a Amazônia e recebem a umidade da floresta. Viajam junto aos Andes e descem em direção ao sul do continente, chegando ao sul do Brasil.

Um de seus efeitos bem estabelecidos é permitir a existência das florestas do oeste do Paraná, como as das cataratas do Parque Nacional do Iguaçu e as que protegem a Usina de Itaipu.

André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, compara a região amazônica a uma bomba d’água. Cada árvore madura, diz ele, consegue bombear mil litros de água para a atmosfera todos os dias.

“O Sudeste brasileiro depende de ciclos hídricos que nascem na Amazônia. Ou seja, é um fato concreto que a Amazônia bombeia água para várias regiões do mundo, inclusive o Sudeste brasileiro. Existe uma relação direta entre desmatamento e disponibilidade de água que chega para outras regiões”, afirma.

Mais água na agricultura

E o desmatamento aumentou. Em janeiro, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou que o desmatamento na Amazônia em 2021 foi o pior em dez anos. De acordo com a organização, que monitora a região com imagens de satélites, 10.362 km² de mata nativa foram destruídos de janeiro a dezembro do ano passado, área equivalente à metade do estado de Sergipe.

“O que acontece na Amazônia afeta o cidadão de São Paulo. A chuva que vem da Amazônia é importante para o PIB brasileiro e para a segurança alimentar do planeta. Mas a gente está tratando muito mal essa questão”, diz Guimarães.

Já é possível sentir na agricultura os impactos das mudanças no regime de chuvas. Ludmila Rattis, pesquisadora do Woodwell Climate Research Center e do Ipam, também alerta para outra consequência do aumento da temperatura: a necessidade hídrica das plantas é maior. Ou seja, as plantações precisam de mais água para ficarem de pé.

“Existe principalmente uma mudança de distribuição de chuvas. A chuva está chegando cada vez mais tarde e acabando cada vez mais cedo. O produtor acaba tendo que plantar mais tarde, prejudicando a produtividade. E não adianta chover o mesmo volume se a planta e o solo ficam com mais sede”, disse.

Ludmila é uma das autoras de uma pesquisa que mostrou que, até 2019, cerca de 28% da área de agricultura na região de transição entre Amazônia e Cerrado — que concentra metade da produção agrícola nacional — havia sido afetada e se encontrava fora de uma zona climática considerada ideal.

Grande parte dos impactos está em regiões de expansão agrária recente, como o sudeste de Goiás e o Matopiba (acrônimo para Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).